Dissertações e teses

Medicalização da pobreza ou a pobreza condicionada: um estudo sobre o Programa Bolsa Família

João Matheus Acosta Dallmann

Disponível em: Repositório UFSC

Resumo

A proteção social data dos princípios do século XVII, e, desde sua concepção passa por constantes rupturas e transformações. Na atualidade a proteção social, ou a questão social, só pode ser compreendida a partir de seu contexto e inserção no mundo capitalista. Enquanto tal é também, um mecanismo/dispositivo de construção de identidades e realidades multi-situadas. Assim, o objetivo geral desta dissertação foi o de Analisar/explicitar o Programa Bolsa Família enquanto um dispositivo biopolítico de governo das populações pobres. Desdobraram-se desse primeiro outros três objetivos: 1) Analisar a construção da figura do pobre e da assistência no Brasil desde uma perspectiva histórico-crítica; 2) Cartografar as linhas de visibilidade do Programa Bolsa Família no que diz respeito às condicionalidades/obrigatoriedades delegadas aos seus beneficiários. Certamente, que a partir daí, uma gama de temas surgiram e foram se misturando neste trabalho. Fizemos o esforço de abordar aqueles que consideramos mais apropriados para nossa breve genealogia (se é possível) do Programa Bolsa Família no Brasil. Desse modo, a problematização e a construção do objeto teórico, tiveram por objetivo mostrar-nos a relevância de estudar as políticas sociais “a contrapelo” como ensinou-nos Benjamin (1985, p.225), buscando no interior dos dispositivos as razões pelas quais eles funcionam e (fazem) funcionar uma determinada racionalidade de governo.

O Cuidado em Saúde Mental e o Dispositivo de Segurança no Brasil: transversalidades discursivas referentes à problemática do Risco.

Valquiria Farias Bezerra Barbosa, 2014

Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/132597

Palavras-chave: Cuidado, Saúde Mental, Psiquiatria Preventiva, Dispositivo de Segurança, Risco, Desinstitucionalização

Resumo

A presente pesquisa de doutorado investigou as configurações que a noção de Cuidado em Saúde Mental alcançou no processo de reforma psiquiátrica brasileiro, período a partir do qual se desenvolveram condições históricas e sociais para uma inversão paradigmática teórico-conceitual no campo da Saúde Mental. Objetivou analisar as relações de poder-saber inscritas em práticas discursivas construídas em torno do Cuidado em Saúde Mental no Brasil e suas interseções ao conceito de Risco probabilidade. Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de análise qualitativa, desenvolvido mediante duas etapas. A primeira etapa constituiu-se pela análise documental retrospectiva de fontes históricas (relatórios das Conferências Nacionais de Saúde Mental (CNSM), artigos científicos, dentre outras), na perspectiva da Arqueologia do Saber de Michel Foucault. Permitiu descrever os marcos epistemológicos e as estratégias discursivas relativos à noção de Cuidado. A segunda etapa de observação participante e entrevistas semiestruturadas realizadas em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) representou o componente genealógico de nossa pesquisa, permitindo analisar as relações de poder-saber referidas às práticas de Cuidado em Saúde Mental. A análise textual discursiva das fontes documentais foi operacionalizada mediante a utilização do software ATLAS.ti. As correntes sociais de abordagem sobre o Cuidado em Marie-Françoise Collière (1999; 2003) e as tradições linguísticas sobre o conceito de Risco em Mary Jane Spink (2001, 2007, 2010, 2012) foram o referencial teórico que norteou nossas análises. O período representado pela I CNSM constituiu a dimensão pré-discursiva da noção de Cuidado; reuniu as condições para uma crítica ao modelo asilar hospitalocêntrico da Psiquiatria clássica, abrindo espaço para a emergência de novas epistemologias e conceitos no campo da Saúde Mental. Paralelamente, observou-se a presença marcante de discursividades em defesa da Psiquiatria preventiva caplaniana, dentre as quais o conceito de Risco Epidemiológico. Desde a II até a IV CNSM, o glossário relativo ao Risco como Probabilidade, assim como ao Cuidado, apresentou-se com relevância progressiva apontando para a centralidade de ambos os conceitos nos debates em torno da consolidação de um novo modelo de atenção à Saúde Mental no Brasil. Evidenciou-se a permanência do vocabulário sobre Risco como perigo vinculado ao adoecimento mental, inclusive com representatividade nosrelatos dos sujeitos de nossa pesquisa. Pudemos constatar que os enunciados sobre o Cuidado atingiram seu limiar de positividade e de epistemologização. No entanto, a noção de Cuidado não esteve vinculada, no corpus textual estudado, a leis de construção de proposições, não atingindo um limiar de cientificidade. Ao contrário, observaram-se profundas lacunas para sua sistematização, uma vez que as abordagens da literatura científica têm se concentrado na sua análise enquanto uma prática social. A análise das relações de poder-saber relativas às práticas de Cuidado em Saúde Mental em um CAPS permitiu-nos identificar elementos diversificados característicos dos dispositivos legal, disciplinar e de segurança. As práticas discursivas em torno da noção de Cuidado em Saúde Mental apontam para a operacionalidade do Dispositivo de Segurança em nosso dispositivo de Saúde Mental contemporâneo, tomando como referência o processo de autonomização do campo da Saúde Mental no Brasil.

A Bíblia da farmacologia e os antidepressivos :análise do livro texto de Goodman e Gilman – as bases farmacológicas da terapêutica de 1941 a 2006

Silvia Cardoso Bittencourt, 2010

Disponível em http://www.tede.ufsc.br/teses/PICH0091-T.pdf ou

https://pergamum.ufsc.br/pergamum/biblioteca/index.php

Palavras-chave:antidepressivos; história da farmacologia; reducionismo biológico; pesquisa interdiciplinar; medicalização.

Resumo

Se a dor e o sofrimento são inerentes à condição humana, a forma como lidamos com essas condições tem sido diversa em diferentes contextos socioculturais e históricos. O uso de medicamentos chamados antidepressivos para tratar situações relacionadas à tristeza com sintomas que caracterizam sofrimento físico e psíquico é uma estratégia terapêutica na biomedicina desde o surgimento dessas drogas. O uso abusivo desses medicamentos tem sido questionado. Estão sendo levantadas questões como a redução do sofrimento a aspectos puramente biológicos, excluindo desse modo uma abordagem compreensiva de problemas de saúde que não estariam restritos apenas à intervenção em alterações bioquímicas endógenas. O objetivo deste estudo é conhecer o modo como a armacologia e os medicamentos antidepressivos foram apresentados a profissionais e estudantes de medicina ao longo da segunda metade do século XX e analisar quais as estratégias argumentativas utilizadas para justificar o uso dessas drogas a partir do discurso científico. Para atingir esse objetivo, foram analisadas as diferentes edições do principal livro-texto de farmacologia, utilizado no século XX em diferentes países como modo de divulgação do conhecimento científico: o livro Goodman e Gilman: as bases farmacológicas da terapêutica, conhecido como a #bíblia da farmacologia#. Inicialmente foi feita uma abordagem dos quadros relacionados à depressão, categoria médica que deu origem aos #antidepressivos#, a partir da melancolia nos primórdios da biomedicina. Foram abordados textos de médicos como Pinel, Esquirol e Dagonet, do início do período em que #nasce# a medicina moderna, a segunda metade do século XVIII e o século XIX, com uma breve passagem pelo início do século XX, quando surgem os trabalhos de autores como Kraepelin e Freud, trazendo a questão da imprecisão dos diagnósticos médicos na área do sofrimento psíquico. Os livros-texto de Goodman e Gilman, desde sua 1ª edição (em 1941) até a 11ª edição (em 2006), foram analisados a partir de uma perspectiva histórica, utilizando como estratégia metodológica a análise de discurso. Buscou-se identificar questões que influenciaram tanto o desenvolvimento da farmacologia quanto o desenvolvimento dos medicamentos chamados antidepressivos. A partir da análise dos textos, pode-se concluir que: existe dificuldade para especificar as situações em que os antidepressivos são utilizados, por causa das incertezas do iagnóstico clínico; as tentativas realizadas a partir do conhecimento farmacológico para estabelecer uma relação causal entre diferentes substâncias endógenas e os sintomas clínicos não são comprovadas até a última edição do livro-texto; os avanços na área do conhecimento técnico-científico no sentido de controle dos sintomas têm obtido um êxito relativo (pelo menos em curto prazo, como, por exemplo, no controle dos efeitos colaterais e na facilidade de administração dos medicamentos), sendo esse um aspecto que tem dado força à expansão do uso dos antidepressivos; esses medicamentos, inicialmente utilizados para tratar sintomas depressivos (no sentido de pouca ou baixa atividade corporal) vêm tendo seu uso ampliado progressivamente para situações que não estão relacionadas aos sintomas que inicialmente lhes deram esse nome (antidepressivos); o desenvolvimento das pesquisas em farmacologia está vinculado a saberes e práticas de outras áreas do conhecimento, que, por sua vez, determinam o desenvolvimento de medicamentos; e, por fim, a industria farmacêutica está ligada ao desenvolvimento da farmacologia desde os primórdios desta.

Outsiders do bairro Trindade: Pacto da morte ou Gangue da Aids? Para além da construção de um episódio

Graziele Regina de Amorim, 2009.

Disponível em http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/93082

Resumo

As primeiras notícias sobre a AIDS/SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) na década de 1980 provocaram mudanças em relação ao comportamento sexual da população. Aos portadores do vírus HIV a discriminação ocorreu por serem vistos como pessoas entregues à promiscuidade, à luxúria, à perversão sexual e aos grupos de risco. Pretendo estudar os discursos acerca do “Pacto da morte” ou “Gangue da AIDS”, construídos por jornais locais e como a cidade de Florianópolis se viu em perigos na sua normalidade. Tratava-se assim da denominação de um grupo de jovens moradores do bairro Trindade, onde em 1987 foram acusados de terem disseminado o vírus da AIDS por meio de seringas contaminadas. Nos discursos foram bem presentes, o pânico, acusações e o controle do corpo. Durante as construções do episódio pela mídia impressa foi possível ainda perceber a imagem do complô que funcionava para atribuir a esse grupo muitas das insatisfações que estavam em circulação e cujas razões não se compreendiam na cidade de Florianópolis. Assim, busco compreender por meio das notícias do “pacto/gangue” a dimensão que o caso ganhou e o que ele representou, já que estes jovens foram postos como bodes expiatórios de muitos problemas sociais.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em História, Florianópolis, 2009

O cotidiano de uma unidade de atenção primária: médicos e ‘não-médicos’ na implantação do Primary Care no Brasil.

Débora Previatti, 2015.

Disponível em http://tede.ufsc.br/teses/PSOP0497-D.pdf

Palavras-chave:Atenção Primária, Profissionais e instituições de saúde, Médicos e “não-médicos”.

RESUMO

Esta pesquisa de caráter etnográfico teve como objetivo principal analisar aspectos da configuração social de um centro de saúde de Florianópolis. O centro de saúde trata-se de uma unidade de Atenção Primária que utiliza-se de um modelo assistencial de destaque no país. Verificou-se que, apesar das diversas mudanças que ocorreram até se chegar ao atual modelo de Atenção Primária, ocorre a reprodução de algumas antigas hierarquias e desigualdades sociais, já presentes na história das profissões e nas relações entre elas. O subcampo da Atenção Primária, já não somente porta de estrada, mas também uma parte essencial do Sistema Único de Saúde, passou a incorporar uma multiplicidade de novos profissionais. Tal ação não necessariamente forneceu a garantia de uma “interdisciplinaridade” e um espaço horizontal de decisões neste subcampo. A noção de “equipe” ganhou novas forças, mas também novos sentidos. Dentre os aspectos mais relevantes destacados por este trabalho para a compreensão desta nova configuração social está a divisão entre “médicos e ‘não-médicos”. Tal divisão é evidenciada em muitos materiais escritos – sejam aqueles internos a cada profissão de saúde, sejam os de associações profissionais, assim como no cotidiano do centro de saúde “Morro da Ilha”, em discursos, comportamentos e agrupamentos sociais. Algumas das hierarquias entre profissionais de saúde mais antigas foram também ali encontradas, e certas concepções as quais acreditava-se estarem superadas aparecem nas sociabilidades diárias dentro do centro de saúde. Fatores como a disposição dos espaços físicos, questões de gênero, assim como as conversas informais e momentos de greve ajudaram a encontrar vários destes elementos. Estes e outros aspectos apontados por este trabalho mostram como se desenvolvem os mecanismos como forma de “estratégia” para a manutenção ou fortalecimento de posições sociais dentro de cada profissão, assim como os tipos de disputa que ocorrem no subcampo da Atenção Primária. A categoria “médicos e ‘não-médicos” permite que se entenda muitas das desigualdades de poder, além de novas e velhas hierarquias nesta nova configuração social da Saúde Pública brasileira.

PREVIATTI, Débora. O cotidiano de uma unidade de atenção primária: médicos e ‘não-médicos’ na implantação do Primary Care no Brasil. 2015. 120 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Florianópolis, 2015.

Normalidade e patologia na psiquiatria e na psicanálise: o papel dos periódicos científicos brasileiros.

Ana C. Costa Lima, 2012

Disponível em https://repositorio.ufsc.br/browse?value=Lima%2C+Ana+Cristina+Costa&type=author

Palavras-chave: humanidades; psiquiatria; psicanálise; neurose; conduta.

LIMA, Ana C. Costa. Normalidade e patologia na psiquiatria e na psicanálise: o papel dos periódicos científicos brasileiros. Doutorado. Florianópolis: UFSC/PPGICH. Biblioteca Universitária. 2012.

RESUMO

 Esta tese de doutoramento, realizada no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas, aborda a complexidade do campo psi, analisando o modo como a psiquiatria clínica e a psicanálise se constituem como saberes situados na fronteira entre as ciências humanas e as ciências biomédicas. O objetivo é analisar as práticas discursivas da psicanálise e da psiquiatria clínica no Brasil, em seus contextos epistemológicos, históricos e institucionais, a partir dos seguintes periódicos: Revista Brasileira de Psicanálise e Revista de Psiquiatria Clínica. Foram escolhidas duas revistas científicas, sendo uma de cada área. Essas revistas são as mais antigas em seu domínio e mantém regularmente suas publicações de modo continuado até os dias atuais (2012), possibilitando uma maior compreensão dos contextos institucionais nos quais surgiram, consolidam-se e se transformam esses saberes no Brasil. Ambas nasceram no período histórico de contestação aos valores estabelecidos no Ocidente, um período que coincide com o da ditadura militar no Brasil. Assim, serão analisadas essas revistas desde a primeira edição, que corresponde ao ano de 1967, no caso da Revista Brasileira de Psicanálise, e ao ano de 1972, no caso daRevista de Psiquiatria Clínica, até as edições publicadas em 2009. O pressuposto inicial sobre os conteúdos da Revista Brasileira de Psiquiatria Clínica é que o discurso da clínica psiquiátrica está construído sobre o binômio normal-patológico, portanto, centrado no biológico. A clínica é de observação do paciente, com o objetivo de diagnose, remissão de sintomas e cura, tendo como principal terapêutica a prescrição de medicamentos e de condutas adequadas. O pressuposto inicial sobre os conteúdos da Revista Brasileira de Psicanálise é que o discurso da clínica psicanalítica está centrado no psicológico e construído sobre o binômio consciente-inconsciente. A clínica é focada na relação de transferência e contratransferência, em que o terapeuta integra a terapêutica, que potencialmente proporciona ao paciente o olhar sobre si mesmo, por meio de uma terapia pela palavra. Uma leitura crítica dessas revistas pode nos auxiliar a entender como ocorreu esse processo de obscurecimento de um saber (a psicanálise) e da hegemonia de outro (a psiquiatria), no Brasil, a partir da década de 1980, e apontar os limites e as dificuldades implícitas nessa visão reducionista da subjetividade, que hoje se transformou em majoritária. O trabalho trata de contextualizar os documentos escritos no marco dos processos históricos do país e das mudanças ocorridas nas duas áreas de estudo. Propõe-se a analisar criticamente esses discursos a partir dos aportes teóricos de Michel Foucault e Georges Canguilhem, e da leitura de especialistas atuais nesses autores, para mostrar de que modo os processos de subjetivação e normalização do sofrimento psíquico e dos comportamentos são desenvolvidos pela psiquiatria clínica e a psicanálise no período estudado. A leitura das revistas evidencia que o discurso psiquiátrico construído em torno de uma visão biológica do normal e patológico limitou a complexidade epistêmica inserida no campo psi pela psicanálise.

Degenerados, criminosos e alienados. Para uma história do conceito de degeneração na Colômbia, 1888-1950.

María Fernanda Vásquez-Valencia, 2015

Disponível em Tese María Fernanda Vásquez-Valencia

Palavras chave: Degeneração. Doenças mentais. Criminalidade. Colômbia.

RESUMO

O objetivo principal desta tese é analisar as condições discursivas e institucionais que permitiram a apropriação do conceito de degeneração, suas filiações conceituais e as teorias com as quais esteve envolvido, concretamente, a Teoria da degenerescência de August Morel, assim como os diferentes usos que a medicina colombiana, especificamente a medicina legal e o saber sobre as doenças mentais, deram a dito conceito para estudar, classificar e avaliar à população colombiana desde final do século XIX e a primeira metade do século XX. Em termos metodológicos interessa integrar a uma história conceitual e epistemológica, sustentada especialmente nos estudos de Georges Canguilhem, uma análise das formas e circulação das práticas de poder e os modos de governamentalidade, desenvolvida a partir da leitura de autores como Michel Foucault e Robert Castel. Nesse sentido, a apropriação do conceito de degeneração constitui ao mesmo tempo u problema de saber e de poder, possibilitando diversos modos de problematização que perpassam as fronteiras disciplinares e que envolve o surgimento de práticas e técnicas de governo, assim como relações de poder que transformam as experiências sociais e políticas dos sujeitos. As fontes primárias contemplam um conjunto amplo de teses médicas e de jurisprudência, publicações científicas periódicas, códigos e legislações, livros médicos e atas de algumas sociedades médicas, entre outros documentos. Em conclusão, o conceito de degeneração estabeleceu uma série de filiações conceituais com outros conceitos como: diátese, raça, criminalidade, periculosidade, doença mental, estigmas de degeneração e hereditariedade mórbida, e se integrou com diversas funcionalidades dentro de campos de saber como: a medicina legal, a medicina mental e a pedagogia, conformando mecanismos e dispositivos de saber e de poder que permitiram avaliar a diferença entendida como uma alteração, quase sempre patológica, de uma norma biológica, social, jurídica, racial, econômica e pedagógica, em um momento histórico especialmente preocupado pela quantidade e qualidade da população colombiana.

Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade: medicalização, classificação e controle dos desvios

 
Fabíola Stolf Brzozowski, 2009
 
Palavras-chave: Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, Medicalização da Infância, Controle Social, Classificação de Pessoas, Efeito de Arco.
BRZOZOWSKI, F. S.  Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade: medicalização, classificação e controle dos desvios. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Florianópolis, 2009.
Resumo
O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) se caracteriza por um conjunto principal de três sintomas, que são desatenção, impulsividade e hiperatividade. Atualmente, o TDAH é considerado como uma das doenças psiquiátricas mais diagnosticadas em crianças. Estima-se que sua prevalência esteja em torno de 3 a 6% das crianças em idade escolar. Seu diagnóstico é essencialmente clínico e subjetivo, o que traz dúvidas em relação ao número elevado de crianças que apresentam o problema e leva a uma reflexão sobre a excessiva medicalização de comportamentos infantis considerados anormais, principalmente por parte da escola. Em geral, a iniciativa para o encaminhamento dessas crianças ao profissional de saúde parte da escola, mas são os pais que decidem se as levam ou não a esse profissional e, no caso de haver algum tratamento recomendado, se irão segui-lo. Nesse contexto, se inseriu o objetivo principal dessa pesquisa, que foi analisar as visões de mães e professores sobre o diagnóstico e o tratamento do TDAH infantil. Para isso, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com mães de crianças diagnosticadas com TDAH e professores que possuíam algum vínculo com essas crianças. A análise dos dados encontrados resultou em dois grandes eixos-temáticos: “comportamentos anormais, normalização e controle social” e “classificação e classificados”. Foi possível observar que as crianças que apresentam comportamentos socialmente considerados anormais constituem um problema para a escola, pois desestabilizam suas regras. Para que essas crianças se tornem indivíduos aceitos, uma das estratégias utilizadas atualmente é o encaminhamento ao profissional de saúde. Parte dessas crianças encaminhadas são diagnosticadas com TDAH. Uma vez que possuem esse diagnóstico e são tratadas, professores e pais mudam suas atitudes para com a criança e esta torna-se mais docilizável. Assim, o diagnóstico e o tratamento médicos são um dos principais meios de controle social, ou seja, constituem uma maneira de normalizar os indivíduos considerados desviantes. Mas esse controle por meio do diagnóstico médico, em outras palavras, por meio de uma classificação, podem também trazer efeitos sobre a criança. Mesmo que ela não entenda o real significado do seu problema, após o diagnóstico do TDAH, ocorrem modificações no meio social no qual ela vive, fazendo com que perceba que não é considerada igual às demais. O diagnóstico médico, em especial do TDAH, parece ser uma maneira rápida e relativamente fácil de resolver um problema, que é o incômodo representado pela presença dessa criança na escola. Os questionamentos sobre por que existem cada vez mais crianças anormais e por que nossa sociedade não consegue lidar com elas, ainda ficam sem uma resposta definitiva.
Explicações reducionistas no discurso científico sobre o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade desde 1950
 
Fabíola Stolf Brzozowski, 2013
 
Palavras-chave: Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade; Metilfenidato; História da Medicina; Explicações Reducionistas.
BRZOZOWSKI, F. S.  Explicações reducionistas no discurso científico sobre o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade desde 1950. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Florianópolis, 2013.
Resumo
O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) se tornou um transtorno psiquiátrico bastante difundido, inclusive fora dos muros acadêmicos e clínicos. Muitas das informações veiculadas nesses ambientes provêm do discurso científico, conhecimento que possui bastante crédito perante a sociedade. De maneira geral, esse discurso descreve o TDAH como uma condição psiquiátrica altamente prevalente na população em geral, de origem genética, que produz alguma alteração cerebral, responsável pelos comportamentos considerados característicos do transtorno, tratável com medicamentos estimulantes. Para entender a configuração atual do discurso científico em torno do TDAH, é necessário analisar como a definição do transtorno e seus tratamentos foram mudando ao longo do tempo. Dessa forma, nosso objetivo é analisar o discurso científico do TDAH e seus tratamentos (principalmente o metilfenidato), desde a década de 1950, a partir de dois periódicos (The American Journal of Psychiatry e Pediatrics) e das diferentes edições do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Descrevemos alguns conceitos de explicações reducionistas e como esses conceitos aparecem no discurso neurocientífico atualmente para, a partir disso, analisar o caso do TDAH. Em seguida, investigamos os diagnósticos e conceitos relacionados ao TDAH desde 1950, a fim de entendermos de que forma as explicações biológicas reducionistas se tornaram hegemônicas no discurso analisado. Os diferentes tratamentos utilizados para problemas de atenção e agitação em crianças também foram examinados, com ênfase nos medicamentos estimulantes, principalmente o metilfenidato. Apresentamos uma breve descrição desse fármaco, seus usos, mecanismo de ação e efeitos adversos. O uso dos estimulantes permite a existência e a manutenção do discurso biológico reducionista em torno do TDAH. Fazemos uma crítica a esse tipo de argumento, que apareceu durante todo o período analisado; e afirmamos que elementos de vários níveis explicativos devem ser levados em consideração para explicar os comportamentos. A resposta positiva ao tratamento medicamentoso foi o principal argumento para a aceitação da hipótese biológica do TDAH. Mesmo que ainda não tenha sido possível provar essa hipótese até hoje, a responsividade aos estimulantes ainda é utilizada para mantê-la. Este argumento é frágil, primeiramente porque até pessoas “normais” respondem aos fármacos estimulantes. Além disso, mesmo supondo que o TDAH é uma doença, não podemos postular uma causa para ele baseada no mecanismo de ação de um medicamento sintomático. Assim, defendemos que os resultados dos estudos sobre o TDAH hoje são insuficientes para justificar que esse transtorno é uma doença biológica. Tratar todos os comportamentos diferentes como doenças, ou simplificálos, pode nos levar a ignorar as individualidades e esquecer as singularidades de cada um.